A batida que vem dos escombros – Entrevista Iggor Cavalera
Em 1989, sob os escombros da revolta juvenil e de um país que há pouco havia saído da ditadura, um novato baterista despontava no cenário da música pesada mundial. Iggor Cavalera, então com 19 anos, experimentava a sensação de ver o Sepultura — banda que formou com o irmão Max (voz e guitarra) — transformar o sonho adolescente numa verdadeira hipnose em massa entre os apreciadores de música extrema. Foi justamente no último ano da década de 1980 que o grupo mineiro lançou Beneath the Remains, trabalho que os consagrou como uma das potências do metal na época.
Não à toa que, após quase 30 anos, os Cavalera revisitem a discografia do antigo conjunto dando atenção especial a esse registro e seu sucessor Arise (1991). Em Porto Alegre, esse show especial, nomeado como Max & Iggor Cavalera 89/91 Era Special Setlist, rola em 4 de novembro, no Opinião (José do Patrocínio, 834).
A importância do Beneath the Remains não foi soterrada pelo tempo. No livro Sepultura: Toda A História — escrito pelo jornalista André Barcinski e pelo então roadie de longa data do quarteto Silvio Gomes — há um trecho do capítulo que fala sobre o disco que reforça tal percepção: “O Sepultura passou de banda desconhecida a uma das maiores promessas do heavy mundial”. Ainda de acordo com a publicação, foram mais de 60 shows na turnê do álbum (desde o fim de 1988 até dezembro de 1989) e 600 mil cópias vendidas.
O disco foi gravado durante a segunda quinzena de dezembro, em 1988, no estúdio Nas Nuvens (Rio de Janeiro), e teve produção do então mago do metal Scott Burns (que topou vir dos Estados Unidos por um cachê menor do que o usual). Além disso, foi o primeiro material do Sepultura com a chancela de uma gravadora de respeito, a Roadrunner Records.
Na entrevista a seguir, o próprio Iggor relata algumas impressões da época e como é reencontrar com o passado que já foi um futuro primitivo.
O Sepultura vinha em uma ascensão desde o primeiro registro, o split com o Overdose (Bestial Devastation, de 1985), mas parece que as coisas realmente começaram a acontecer depois do Schizophrenia (1987). Qual era o clima da banda na época da composição do Beneath the Remains?
Iggor Cavalera — O clima era bem legal e nosso nome estava cada vez mais aparecendo na cena do metal internacional. Além disso, havia a chance de gravar nosso primeiro disco com o apoio total da Roadrunner Records.
No livro Sepultura: Toda a História (do André Barcinski e do Silvio Gomes), consta que o Beneath the Remains foi o primeiro álbum com o qual a banda ficou realmente satisfeita pelo resultado. Por quê?
Iggor Cavalera — Desde o primeiro disco, sofremos muito tentando traduzir em estúdio o que tocávamos ao vivo — principalmente pelo fato de a maioria dos engenheiros de som nunca terem gravado algo extremo. Então, principalmente no Bestial Devastation e Morbid Visions, ficamos bastante decepcionados com o resultado final.
E como foi trabalhar com o Scott Burns, o cara que estava envolvido com diversas bandas de peso da época (Death, Obituary, Terrorizer…)? Além de ser responsável pela gravação, ele também deu pitacos em alguma composição na hora de registrar? Qual o peso do envolvimento dele para o Beneath the Remains ser o monstro que é?
Iggor Cavalera — O Scott Burns é um produtor animal, mas também ajudou muito na parte dos vocais (corrigindo nosso inglês macarrônico) e a dar uma polida nas ideias brutas dos sons.
Qual a lembrança mais bacana você tem do teu irmão (Max) referente a esse trabalho? Algo que ele compôs ou fez e que te marcou. Por qual razão?
Iggor Cavalera — O Max sempre foi o cara mais presente em todas as gravações da época, não desgrudava do estúdio do começo até o fim, com a mixagem do disco. Ele inclusive foi para Flórida mixar o Beneath the Remains com o Scott Burns.
Olhando para trás, hoje, de que maneira tu avalia a própria evolução como baterista do Schizophrenia para o Beneath the Remains? Pode-se dizer que o estilo Iggor já estava definido ali ou ainda passava por um processo de formação?
Iggor Cavalera — Acho que sim, mas eu ainda estava tentando tocar com estilo muito parecido ao dos bateras da época. Acredito que a partir do Arise eu comecei a criar meu estilo próprio.
Foi pela época do lançamento do Beneath the Remains que começaram a rolar altas matérias sobre o Sepultura na imprensa gringa. Algumas até comparavam a banda a nomes como Slayer e Metallica — bandas das quais eram abertamente admiradores. Rolava aquela sensação de ‘agora a porra ficou séria’?
Iggor Cavalera — Com certeza! Ver nosso nome comparado com o das bandas que a gente cresceu ouvindo dava sensação de que estávamos dando passos bem maiores para nos firmarmos na cena mundial.
Tem um lance curioso sobre a capa do disco, feita pelo Michael Whelan (artista bem requisitado na época pelas bandas de metal). Reza a lenda que tu havia escolhido um desenho dele e que, na surdina, a Roadrunner teria deixado essa imagem para o Obituary usar no Cause of Death. Procede? Como foi esse lance?
Iggor Cavalera —Isso é verdade! O Max descobriu o Michael Whelan por meio da capa de um livro do HP Lovecraft, e a gravadora achou “melhor” passar nossa ideia para o Obituary. Tem até uma versão com essa arte como se fosse o Beneath the Remains online por ai. Hahahahahah!
Como é, atualmente, revisitar as composições desse disco? Curte tocar as faixas como elas foram gravadas ou muda algumas partes da execução para fazer ao vivo?
Iggor Cavalera — É muito legal tocar essas músicas ao vivo! Mas, para ser sincero, foi um saco ensaiar sozinho até lembrar todas as partes dos discos. Eu tento deixar o mais próximo possível da original.
Qual tua faixa preferida do disco? E seria essa mesma música a que tu mais gosta de tocar atualmente? Por quê?
Iggor Cavalera — Eu estou curtindo muito tocar a ‘Infected Voice’. No disco (Arise) ela meio passou batida, mas ao vivo é um monstro de música.
Por Homero Pivotto Jr.