As velhas continuam a provocar — Entrevista com Paulão (Velhas Virgens)
Bom comportamento nunca foi o forte da Velhas Virgens. Aliás, a banda construiu toda sua reputação — de maneira independente, ressalte-se — em cima de uma postura debochada e confrontadora. E segue assim atualmente, do alto de suas mais de três décadas na boemia musical, embalada por um rock simples e sincero. Se você aprova ou não é outro papo, mas o grupo continua autêntico e disposto a seguir com sua saga provocativa, sem medo dos julgamentos que possa receber em tempos nos quais a linha entre ironia e preconceito é cada vez mais tênue.
O grupo paulista tem show marcado em Porto Alegre para 11 de agosto, sábado, no Opinião (José do Patrocínio, 834), quando celebra o lançamento do DVD comemorativo aos 30 anos. Aproveitando a oportunidade, trocamos ideia com o vocalista Paulo ‘Paulão’ Carvalho, que não perdeu a verve polêmica mesmo com a chegada dos 50 anos. Entre os assuntos abordados na entrevista, estão a suposta aposentadoria, a era do politicamente correto, a projeção da Velhas Virgens e como música e cerveja podem mudar a vida de alguém.
Boa parte da banda não cozinha mais na primeira fervura, como diz o ditado. Até porque, já são mais de 30 anos na estrada. Mesmo assim, dizem que vocês ainda tomam mais cerveja do que remédios (risos), procede?
Paulo ‘Paulão’ Carvalho — Graças a Deus gastamos mais dinheiro no bar do que na farmácia, sim! A gente sempre gostou da bebedeira e da boemia, e isso está impresso nas canções. Não somos a maior nem a melhor banda do mundo. Apenas uma banda que faz o que gosta e consome esse universo boêmio até a última gota.
A que atribuem essa longevidade como artistas?
Paulão — Dinheiro não é. Acho que tá mais para ser como um grupo de adolescentes viajando juntos. Amizade. A adolescência já passou faz tempo, mas seguimos nos divertindo e fazendo festa com fãs pelo Brasil inteiro. A gente faz o que gosta. E isso não é pouco!
Qual foi o momento em que perceberam a música como um trampo? Uma atividade que, além de divertida, coloca comida na mesa?
Paulão — Os anos 80 transformaram o rock brasileiro em algo rentável. A gente nunca tocou no rádio e não temos costas quentes. Não somos filhos de políticos, empresários ou parentes de artistas. A gente seduz pela sinceridade e pela batalha. Descobrimos que cair na estrada gera um público que permite um ganho razoável. Fomos criando produtos pensando nesses fãs, e isso aumentou a proximidade com eles e a grana. Mas todo mundo (ou quase todo mundo) tem trabalhos paralelos para sobreviver. A gente se vira e se diverte tocando rock num país que tem pelo menos seis ou sete gêneros musicais mais populares do que o rock. Não é mole, não.
A Velhas Virgens sempre se manteve por conta própria, de maneira independente. Inclusive, parece que a banda faz questão de destacar isso — registre-se que, de fato, é algo louvável. Essa opção foi intencional ou uma necessidade que rolou? Por quê?
Paulão — A gente ficou independente porque ninguém nos quis. Aí, a saída foi viabilizar os próprios discos, shows e criar um canal de contato com os fãs. Abrimos nosso próprio selo. A internet ajudou muito nisso. Lançamos o primeiro disco independente. Fizemos o segundo pela Velas, uma gravadora independente. Em 1998, fizemos um terceiro disco e ninguém se interessou. Lançamos nós mesmos e fomos descobrindo que não precisávamos do sistema nos bancando. E seguimos assim faz 32 anos. Não é fácil, mas ninguém se mete no nosso som. A gente faz música para o povo nos shows. O resto que se foda.
Ainda no mesmo tema: a banda já foi sondada por alguma grande gravadora? Por que não rolou? O deboche na postura e nas letras atrapalhou de alguma maneira?
Paulão — Não, nunca fomos sondados de fato. Já disseram que se nosso som fosse mais pra “Claudinho e Buchecha” seria mais fácil. O falecido Carlos Eduardo Miranda, meu amigo, quando comandava o selo Banguela (criado por integrantes dos Titãs), nos disse que a gente era muito difícil de manipular. Considerei isso como um elogio. A gente escreve letras explícitas, mas com alguma classe — coisa que falta ao funk carioca hoje em dia. Raul Seixas disse: “é preciso cultura para cuspir na estrutura”. O problema é que se um funkeiro fala “buceta” é cultura. Se a gente fala é putaria. Quer saber: seguimos em frente ouvindo apenas nossa própria consciência.
Falando nisso… Atualmente, nesses tempos mais sérios, já tiveram algum tipo de encrenca em razão do deboche característico da banda?
Paulão — Nosso rock não é rápido e nem sujo o suficiente para confundir as palavras. Logo, todos entendem perfeitamente o que estamos dizendo. Aí, claro, tem os puritanos que, junto com a família, assistem à novela das nove, mas nos acusam de safadezas mil. Tem as falsas feministas que querem nos imputar o rótulo de machistas, quando em nossas músicas escancaramos com sinceridade a natureza masculina e como ela funciona. Elas sabem que o que dizemos se passa na cabeça dos namorados, pais, filhos e maridos delas. Sabem que a gente está falando a verdade, revelando como funciona a natureza masculina e contrapondo-a à feminina. A gente prega a liberdade, igualdade e fraternidade entre ébrios. Somos meio malditos. E isso é até um mote, um slogan que nos manda pra frente.
A banda já é estabelecida. Contudo, no cenário atual, acreditam que um grupo com postura tão provocadora conseguiria ganhar espaço?
Paulão — Com o advento do politicamente correto, o mundo tá cada vez mais chato e vigiado. Não se faz arte, nem um roquinho chinfrim como o nosso, sem liberdade. Mas se você quer se expressar artisticamente não pode pensar nos outros, querer tapinha nas costas. Não se faz arte com democracia ou gentileza. Arte se faz com inteligência e atitude. E pau duro!
Fora a música, a Velhas Virgens diversificou as atividades: tem bar, cerveja, quadrinhos… De onde veio esse ímpeto empreendedor e como são escolhidos esses outros ramos de atuação que levam o nome da banda?
Paulão — São desdobramentos naturais das coisas que a gente gosta. Bar e cerveja são nosso habitat. Quadrinhos é algo com que o Cavalo (guitarrista) está muito ligado, pois já foi roteirista tanto de histórias pornôs quanto da Disney. A gente vai se virando para se aproximar dos fãs e tentar ganhar uns trocos para pagar as contas nos bares.
O que mantém vocês pilhados a subir num palco e mandar brasa até os dias de hoje?
Paulão — A gente ama essa porra de rock porquinho, mal tocado, direto e sem frescuras. É muito divertido ver desavisados deixarem o queixo cair nos shows ao ouvirem frases que costumam falar no estádio de futebol e nos bares, mas que nunca escutaram num palco. Temos muito orgulho da nossa trajetória: meninos de classe média da zona norte paulistana tocando o terror de norte a sul neste país povoado de farsantes e corruptos. Nosso discurso está à frente do nosso tempo. Doses cavalares de ironia, humor e sinceridade pra chacoalhar a cabeça e o coração.
Você havia anunciado que se aposentaria. Como anda essa questão? E, caso venha a rolar, a banda deve seguir?
Paulão — Eu estava em crise, próximo dos 50 anos. Não enxergava futuro e não estava me divertindo. Queria ficar em casa e curtir minha filha pequena. Até tentei, mas não consegui ficar longe da estrada e do rock. A crise dos 50 é barra. Você pensa: “porra, já vivi muito mais do que vou viver. O que faço com os sonhos que não realizei e, provavelmente, não realizarei?” Ainda não sei a resposta, mas passei a curtir a correria, as noites mal dormidas, a distância da família, as ressacas e tudo que cerca uma banda de rock. Passei a curtir isso sem grandes expectativas. Tem show? Ótimo, vamos botar pra fuder! É o momento de um novo CD? Lindo, vamos fazer do jeito que a gente quer e nos divertir. Eu não vou parar! Vou seguir fazendo parte da maior banda independente do Brasil, sendo indigesto, desagradável e divertido. Amo o rock’n’roll! Eu era um adolescente tímido e derrotado. A cerveja e o rock salvaram minha vida. Vamos assim, sem grandes expectativas, consumindo a cerveja que está na mesa… De preferência artesanal.
Por Homero Pivotto Jr.