Escrevendo um novo capítulo no rock alternativo brasileiro: entrevista Fabrício de Souza (Garage Fuzz)
Por Homero Pivotto Jr.
A banda santista Garage Fuzz nomeou seu segundo, e clássico, segundo disco lançado em 1999 como “Turn the Page…” (vire a página, em tradução livre). E, em 2021, precisou fazer o que sugeriu lá na então iminência do novo milênio com o trabalho mencionado: virar a página para seguir adiante. Isso porque, depois de 31 anos na ativa, teve de tocar o barco sem um dos membros fundadores, o vocalista Alexandre “Farofa” Sesper, que deixou o Brasil. A saída foi amigável e, segundo o baixista Fabrício de Souza — também integrante desde o começo das atividades, em 1991 —, começar esse novo capítulo foi sem sobressaltos.
— Tivemos tempo para pensar numa solução, num substituto e fazer tudo de maneira tranquila. E a saída dele foi algo bem conversado, sem nenhuma briga ou problema — conta Fabrício.
Contando agora com Victor Franciscon (ex-Bullet Bane) assumindo o microfone, o conjunto dá prosseguimento em sua trajetória. O som continua sendo uma mescla de sonoridades alternativas do rock feita com ímpeto de quem veio do universo punk/hardcore. O primeiro material da fase mais recente do GF, o EP “Let The Chips Fall”, atesta isso. Nas três faixas do registro (‘Elephant’, ‘Letter from a Hero’ e ‘Gambling’), Victor mostra que foi escolha acertada, com voz apta para trabalhar melodia e intensidade, como pede o instrumental formado pelas guitarras de Fernando Bassetto e Wagner Reis e a bateria de Daniel Siqueira — além dos graves providos por Fabrício.
Os shows dessa nova fase já estão em andamento. Porto Alegre é uma das paradas do Garage Fuzz, que toca no Bar Ocidente (João Telles esquina com Osvaldo Aranha) em 31 de julho. O evento conta ainda com os locais da Punkzilla! e os catarinenses da End of Pipe.
Para contar um pouco sobre o momento atual do GF e revisitar questões do passado, trocamos uma ideia com Fabrício Souza. A alteração de vocalista, as mudanças no mercado da música, processo de composição e os planos para o futuro estão na pauta.
Uma das coisas interessantes sobre o Garage Fuzz é que a banda começou com pessoas vindas do universo punk/hardcore. E, com o tempo, foi agregando elementos de outros estilos, tornando o grupo referência não só de hardcore, mas também de rock alternativo. Como se consolidou essa identidade musical?
Viemos de bandas de hardcore/punk, mas no início do GF, estávamos escutando muito o som alternativo da época: guitar bands como Dinosaur Jr, Mudhoney, bandas grunge como Nirvana e Afghan Whigs. O som tinha muita influência disso, mas depois da primeira demo tape, a “Daylight”, nossa origem HC começou a falar mais alto de novo (hahaha) e passamos a fazer sons como I’t’s Funny’, ‘Explain’ e outras que estariam no primeiro álbum. Na realidade, sem perceber, misturamos o que vínhamos fazendo com a influência hardcore, daí saiu a sonoridade do Garage Fuzz.
Recentemente, no primeiro ano de pandemia, o vocalista Alexandre Sesper foi embora do Brasil e a banda precisou encontrar novo cantor. De que forma a saída do Farofa, que estava no GF desde o começo, impactou as atividades do grupo?
Na realidade, não chegou a impactar tanto nos trabalhos da banda, pois foi no início da pandemia, o mundo todo parou. Tivemos tempo para pensar numa solução, num substituto e fazer tudo de maneira tranquila. E a saída dele foi algo bem conversado, sem nenhuma briga ou problema.
Musicalmente, a saída dele alterou algo?
O Garage Fuzz é uma banda que compõe primeiramente instrumental, para depois encaixar as vozes. Esse processo nós mantivemos. O Victor procurou seguir a metodologia da banda, mas colocando seu próprio estilo e forma de compor juntos. Gostamos muito do resultado. O som continua sendo bem Garage Fuzz.
Os dois últimos dois lançamentos com o Sesper (o EP chamado “Take Care of Your Friends”, com duas faixas que já estavam gravadas e dois singles com b-sides) foram lançados meio que paralelamente à saída dele. Esse material já estava pronto?
Sim, todo esse material já estava gravado. Gravamos no início de 2020, quando o Alexandre ainda estava no Brasil. Os singles “Trust me” e “Some Warm at Least” eram gravações antigas que disponibilizamos nas plataformas digitais para ir movimentando as redes, enquanto estava tudo ainda parado devido à pandemia.
E como foi o processo de escolha do novo vocal, que levou ao recrutamento do Victor Franciscon (ex-Bullet Bane)?
Durante a quarentena, eu fui pesquisando alguns nomes e o que me pareceu mais forte foi o dele. Eu percebi que precisávamos, além de um vocalista talentoso, de alguém que também tivesse representatividade na cena hardcore. O Victor tem uma história muito legal com as novas gerações do estilo. Quando voltamos a fazer os primeiros ensaios, conversei com o pessoal da banda, todos concordaram com a ideia, chamei ele e deu tudo certo.
O primeiro material com o Victor, o EP “Let The Chips Fall”, saiu em 2021. Alguma previsão de novos lançamentos para essa fase atual do GF?
Sim. Estamos trabalhando em um novo álbum, já temos músicas prontas e a máquina tá a todo vapor (hehehe).
Como foi a repercussão desse novo trampo? E como tem sido revisitar material pregresso com essa nova formação?
A repercussão foi a melhor possível. Poucas vezes vi uma banda trocar de vocalista e as novas músicas serem tão bem aceitas pelos fãs. E tem sido muito legal revisitar as faixas antigas com ele. O Victor acaba comentando sobre músicas que fazia tempo que não tocávamos, aí a gente vai lá revisitar. Aos poucos, ele tem colocado o estilo dele nessas canções, o que tem sido muito saudável.
O que diria que é preciso para seguir fazendo rock no Brasil por tanto tempo (mais de três décadas, precisamente)?
Claro que gostar muito do que se faz, ter um ótimo ambiente, de confiança e interação. E saber exatamente o que a banda representa, dentro de um mercado com sérias limitações, como o brasileiro. Não cair na armadilha de criar falsas expectativas, o que traria frustração. Dentro do que a banda sempre se propôs a fazer, somos realizados musicalmente, e isso nos traz gás pra continuar.
O GF viveu momentos distintos dentro do mercado da música, de contrato com a Roadrunner à era de música digital. Como você avalia essas diferentes etapas?
Foi e está sendo um tremendo aprendizado isso tudo. Na época da Roadrunner, tínhamos a pressão da gravadora para fazer um som que vendesse mais discos, mas ao mesmo tempo, a dinâmica de trabalho era mais calma. Você focava em fazer músicas, e a gravadora cuidava do resto. Hoje em dia, com redes sociais e plataformas digitais, a dinâmica é muito mais frenética. Você tem de ficar o tempo todo criando conteúdo para as redes, e a resposta disso é imediata, o que gera uma grande ansiedade. É preciso tomar cuidado para que tudo isso não influencie de forma negativa o conteúdo musical e artístico. Enfim, nas duas maneiras, existem os prós e os contras, o lance é fazer um mix disso no que pode dar certo e de maneira saudável hoje em dia.
Como quem acompanha a carreira do GF há um tempo, penso que a banda é, de certa forma, um tanto subestimada. Vocês também têm essa avaliação? Independentemente se sim ou não, por quê?
Não sinto isso. Como falei acima, para o som que fazemos no Brasil, e com um mercado musical tão limitado como o brasileiro, chegamos muito longe e continuamos. Só temos orgulho pela carreira e trajetória da banda.