Reinventando clássicos com requinte — Entrevista Paavo Lötjönen (Apocalyptica)

É muito comum jovens que gostam de música usarem suas influências de maneira a criar algo novo. É um anseio criativo pegar referências vindas dos ídolos e adaptá-las à realidade que se vive para buscar um som diferenciado. Com os finlandeses do Apocalyptica não foi diferente. Quando a banda surgiu em 1993, na capital Helsinki, a ideia dos estudantes de música que iniciaram a banda era trazer a paixão que tinham pelo rock e pelo metal para o universo daquilo que estudavam, que tinha um viés mais erudito. Então, surgiu a ideia de recriar arranjos de clássicos feitos com baixo, bateria e guitarra para violoncelo. E a iniciativa, que começou despretensiosa, foi ganhando fama e respeito.

Em 21 de novembro, às 21h, no Opinião (José do Patrocínio, 834), o conjunto mostra ao vivo em Porto Alegre as releituras pelas quais ganhou notoriedade, com destaque para versões do Metallica. Afinal, o Apocalyptica se apropriou — com propriedade — de composições desse ícone do thrash de arena para montar o disco de estreia,  Plays Metallica by Four Cellos (1996).

A turnê atual celebra, justamente, as duas décadas do referido álbum. Aproveitamos a oportunidade para conversar com Paavo Lötjönen, um dos integrantes originais do grupo europeu que se apresenta pela primeira vez na capital gaúcha.

Como surgiu a ideia de reinterpretar temas do heavy metal por meio de instrumentos clássicos, como o cello? E por que começar com um disco dedicado ao Metallica?

Paavo Lötjönen — O Apocalyptica começou muito espontaneamente. Mesmo antes de tocarmos o conjunto de cellos, tipo seis cellos tocando Jimi Hendrix e coisas assim, a gente sabia que uma banda com esse instrumento ficaria bacana para o rock’n’roll. Então, Eicca teve a ideia de fazer arranjos para sons heavy metal. A primeira vez que fizemos isso foi com um som do Sepultura, um do Metallica e um do Slayer, acho. Foi em uma orquestra de acampamento de música que participamos no verão. Nos apresentamos durante uma tarde e foi muito divertido. Nossos amigos curtiram, e nós também. Foi muito legal tocar juntos essas canções não convencionais. E também tem o fato de sermos grandes fãs de rock e de metal. Eicca tocou bateria antes do Apocalyptica, e eu baixo durante a época da escola. Nada sério. Toda nossa vida ouvimos diferentes tipos de música, não apenas erudita. Logo, não somos essas personalidades clássicas, como estudantes de música poderiam ser. Foi muito espontâneo e para nossa própria diversão. Não tínhamos nenhum plano de engatar uma carreira, nem mesmo de ser uma banda. Éramos só um bando de amigos tocando juntos e curtindo. Durante um período tocamos pouco, aqui e ali. Mas, repentinamente, recebemos a oferta para uma noite heavy metal em um espaço de shows público. Havia um cara de gravadora independente nesse evento que adorou nossa performance e veio falar conosco, dizer que tínhamos de gravar um álbum. A gente pensou que ele era louco. Se passaram alguns dias e nos demos conta de que poderia ser um projeto interessante. E se o cara da gravadora pagasse os custos, por que não tentar?

Bom, voltando à sua pergunta sobre a escolha do Metallica… No começo, executávamos também temas do Pantera e do Slayer, mas queríamos ter um conceito claro para o disco. E o resultado foi Apocalytica Plays Metallica by Four Cellos. É isso que iremos tocar para o público no Brasil. É a turnê de 20 anos desse trabalho

Em sua opinião, quais as semelhanças entre heavy metal e música clássica:

Paavo Lötjönen — Eu diria que não tem muito a ver com a parte musical. É mais uma questão de comportamento. Música clássica, algumas vezes, é pensada para ser bombástica e intensa. O metal é parecido: um pouco bombástico, massivo e forte. Mas não é tão simples.

Quando e como perceberam que unir metal e música clássica funcionaria bem?

Paavo Lötjönen — É um lance de temperamento. Nós amamos o metal e éramos jovens loucos o suficiente de pensar: “por que não combinar isso com música clássica?”. Simplesmente funcionou

Como é o processo de, digamos, traduzir um som mais pesado para cellos e quais os elementos que fazem a banda escolher determinada composição para recriar?

Paavo Lötjönen — Escolhemos temas dos quais gostamos e que, de alguma maneira, sejam tecnicamente possíveis de tocarmos. Geralmente são faixas não tão rápidas, nem muito baseadas em baixo ou bateria. Os melhores sons, para nós, são os que têm um pouco mais de melodia. Por exemplo: ‘One’, ‘Sanitarium’, ‘Nothing Else Matters’ e materiais nessa linha são fantásticos para serem executados por cellos. Isso porque, mesmo o cello podendo ser tocado ritmicamente, é um instrumento bem melódico. Basicamente, não pensamos em executar tal música de maneira clássica. Gostamos de pensar que fazemos de um jeito metal com cellos, algo não muito comum no rock ou no metal. Aquele tipo de coisa: não tente isso em casa! (risos) Nós somos loucos e estúpidos a ponto de continuar fazendo dessa maneira. Algumas vezes você tem de fazer as coisas sem medo para encontrar o pote de ouro. Acredito que conseguimos realizar isso com sucesso, de alguma maneira — mesmo que seja sempre uma batalha

Sabem o que artistas interpretados pelo Apocalyptica pensam das versões feitas por vocês?

Paavo Lötjönen — Ao menos o Metallica… tocamos algumas vezes com eles. E creio que isso prova algo. Quando eles fizeram o disco com a sinfônica de São Francisco, nos convidaram para as gravações e a noite de estreia, e falaram que nosso trabalho mostrou que era possível fazer o lance com a orquestra. Eles também nos convidaram para tocar na festa de 30 anos da banda, o que foi uma honra!

Para você, qual foi a versão mais tocante que o Apolyptica já fez e por quê?

Paavo Lötjönen — Todos na banda temos opiniões diferentes sobre nossas faixas favoritas. Somos indivíduos em uma banda. Mas as minhas releituras preferida são ‘Nothing Else Matters’, ‘Sanitarium’ e ‘Fight Fire with Fire’. Há forças opostas nessas faixas.‘Nothing Else Matters’ tem uma melodia muito bonita que a faz soar bem com os cellos. É uma música harmônica e as linhas melódicas ficam ótimas. ‘Sanitarium’ tem boa estrutura, funciona bem, é pesada e rápida. E mesmo assim é bastante melódica e bonita. As composições mais melódicas funcionam bem para cello. É de onde vem a beleza desse instrumento. Por outro lado, ‘Fight Fire with Fire’ é extremamente rápida e técnica. E isso só comprova que podemos criar coisas loucas e velozes. Algo que o pessoal da música clássica nem acreditaria.

A atual turnê celebra o lançamento do Plays Metallica by Four Cello, lançado em 1996. Como tem sido reviver esse primeiro trabalho? Quais memórias vêm à tona?

Paavo Lötjönen — Em nossos shows temos duas partes. Na primeira, executamos só o primeiro disco, do começo ao último som, somente com os quatro cellos. Bem como ele foi gravado. A música traz diferentes tipos de sensações e lembranças. Mas também é como um máquina do tempo. Se você ouvir sons que escutava quando criança, isso de alguma maneira recupera sentimentos profundos e pensamentos de como era ouvi-los em determinada época. É uma cápsula do tempo que retoma devaneios do passado. Agora, estamos passando pela Europa e América do Norte e as pessoas falam de como aquilo puxa lembranças e sentimentos de quando eram jovens. É algo fantástico, pois música boa desperta sentimentos e emoções. Espero que as pessoas estejam em uma boa vibe quando forem nos ver ao vivo no Brasil. Para mim, essa gira remexe naquele sentimento que tínhamos quando começamos a fazer turnês como uma banda pequena. Isso me faz mais jovem por um tempo.

Você imaginava, quando tudo começou, que o Apocalyptica seria uma banda de verdade, e não apenas um projeto?

Paavo Lötjönen — Como comentei, a gente não tinha nenhum plano. Tudo rolou passo a passo. Foi uma fantástica e positiva surpresa o que aconteceu durante nossa carreira. Nunca tivemos um plano, e até hoje não o temos. Realizamos as coisas aos poucos e trabalhamos duro para fazer acontecer — sempre ouvindo nossos corações e atentos ao que sentimos. E isso ainda nos faz sentir bem e nos levou à plateias cada vez maiores. Ver os olhos das pessoas vivendo a música com a gente faz aflorar o sentimento de que tocar é um trabalho fantástico a se fazer.

Por Homero Pivotto Jr.

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