Vader: a trilha sonora para a idade da treva que nos assola

A intolerância contemporânea faz com que não seja exagero classificar o tempo em que vivemos como um período trevoso. Não apenas, mas muito em função das redes sociais, o pior do lado negro da força foi colocado em evidência. Darth Vader, no auge de sua vilania, teria nos dias de hoje um excelente contexto para perpetuar a escuridão e ficaria orgulhoso da capacidade que os humanos têm em se mostrar criaturas maldosas. Não à toa, os poloneses do Vader — banda que tem seu nome inspirado justamente no personagem que, durante parte da saga Star Wars, sintetizou o mal — batizaram seu lançamento mais recente como Dark Age (idade da treva, em tradução livre). Simples inspiração ou um alerta? Possivelmente ambos, pois a arte costuma ser um produto do cenário em que foi concebida.

 

A coletânea, que saiu no fim de 2017, traz as faixas do disco oficial de estreia, The Ultimate Incarnation (1992), com nova roupagem — principalmente na produção mais cuidadosa. Aproveitando o gancho desse lançamento e das celebrações de 25 anos do primeiro álbum, o quarteto está rodando o mundo com a turnê ‘‘The Ultimate Incantation – 25 years of Chaos”. Porto Alegre recebe mais uma vez o ataque sonoro do Vader dia 18 de maio, sexta-feira, às 20h, no Opinião (Rua José do Patrocínio, 834). É a sexta incursão dos caras pelo país, sendo que, desde 2010, eles não pisam na capital gaúcha.

 

— O Vader é um dos maiores nomes do death metal polonês e mundial, já conhecido pelos brasileiros por sempre fazer um show destruidor. Todos os álbuns possuem características únicas de sua maneira, mas talvez o que mais impressiona é que eles conseguem manter sempre a essência no som, de modo que, ao ouvirmos uma faixa de qualquer época da carreira, é possível sacar na mesma hora que de fato é do Vader — destaca Fabrício Bertolozi, baixista da banda porto-alegrense DyingBreed, convidada para ser a atração de abertura do show deste ano.

 

Como a própria alcunha da tour sugere, o Vader chega para semear o caos musical resultante de uma leitura de mundo nem tão otimista. Costuma ser característica do death metal abordar o lado mais obscuro da humanidade, mas o conjunto liderado vocalista Piotr “Peter” Wiwczarek faz isso com a propriedade de quem cresceu in loco entre atrocidades. Afinal, o músico fundador nasceu em um país que apresentou ao mundo um dos líderes de maior visibilidade da igreja católica (Papa João Paulo II) e que esteve diretamente envolvido nas duas grandes guerras mundiais. E isso o credencia a bradar com autenticidade como conflitos armados e o mau uso da fé podem ter efeito devastador na sociedade.

 

A base sonora para o horror das letras é condizente com a proposta: uma mistura bombástica de death, thrash e heavy mais tradicional que, no campo de batalha — no palco, situando melhor — tem efeito explosivo. Em ação, o Vader mostra porque é vanguarda naquilo faz. Os estadunidenses Possessed e Death são sempre lembrados como linha de frente do metal da morte, mas, no além mar, o Vader também já estava na batalha desde 1983. O reconhecimento veio mais tarde, porém, circa 1990, quando venderam aproximadamente 10 mil cópias da terceira demo, Morbid Reich.

 

Com carreira veterana, mas com disposição para seguir na luta, o Vader tem em seu arsenal 12 discos de estúdio, além de compilações, registros ao vivo e EPs. Dividir o palco com quem carrega um potencial de fogo desses é uma satisfação para aqueles que também batalham na tentativa de mostrar a própria arte.

 

— Para nós da DyingBreed, é uma honra abrir para uma das bandas que muito nos influencia e sempre gostamos, pois foi um dos maiores nomes que nos ajudou a buscar e moldar nosso som dentro do death metal — revela Fabrício.

 

Uma curiosidade mórbida ilustra como o Vader foi além das próprias trincheiras: a banda Eagles of Death Metal (EUA) foi batizada assim após um amigo de Josh Homme (baterista do grupo em questão e frontman do Queens of the Stone Age) tentar mostrar a ele o que é death metal usando o Vader como exemplo. Homme teria dito que o grupo polonês parecia o Eagles do death metal, se questionando como soaria uma mistura entre o estilo e a conjunto autor do hit ‘Hotel California’. A expressão foi escolhida para batizar o grupo que, em 2015, tocava numa boate em Paris quando ocorreu um atentado terrorista, assumido pelo Estado Islâmico, que deixou mais de 80 mortos. Outro indício de que estamos mesmo na idade da treva.

 

Por Homero Pivotto Jr.

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