Uma lenda da nossa história se vai
Segunda-feira costuma ser um dia que acordo animado para trabalhar, mas após receber a notícia de hoje parece que toda a energia que havia em mim se esvaiu. A passagem de Paul Di’Anno, primeiro vocalista do IRON MAIDEN, me acertou em cheio. Não foi somente um ídolo, o conheci, fiz 4 turnês brasileiras com ele e nos tornamos amigos, um ciclo completo. Resolvi escrever para externar o que estou sentindo no momento.
Comecei a escutar Iron Maiden com cerca de 16 anos, através de amigos que me cativaram e me mostraram toda a discografia da banda. Foi a voz do Paul que me fisgou, aquele drive em contraste com a melodia, me puxava pra dentro do que estava sendo cantado. A banda em seus dois primeiros álbuns flertava com um som mais soturno e agressivo. É difícil explicar pra alguém que consumiu música já na Era da Internet, mas até não muito tempo atrás não tínhamos muitas opções de visualizar os nossos ídolos, então as fotos dos encartes dos CD’s e Vinis te obrigavam a ser criativo com o que você estava ouvindo e isso deixava tudo, sem sombra de dúvidas alguma, muito mais imersivo e interessante.
Iron Maiden foi a porta de entrada para o heavy metal, gênero que me cativou demais por um bom período da minha vida e que, curiosamente, ouso dizer me embalou a me tornar um produtor de shows. Talvez se eu não escutasse o estilo tivesse ido para outro caminho ou levado mais tempo para escolher essa profissão. No ano de 2007 pude, pela primeira vez, produzir um show do Paul Di’Anno, que foi no Manara Bar, nos demos bem de cara, ja fazendo piadas e nos divertindo, mas seria um pouco depois disso que nossa relação aprofundaria.
Paul Di’Anno no ano de 2008 procurava por bandas em cada país para se apresentarem com ele em suas turnês. No Brasil o Scelerata (hoje Rage in My Eyes) se candidatou e por conta de seus dois excelentes primeiros álbuns foi selecionada. Lea Hart – que era da banda Fastway (no Brasil conhecida pela música ‘Say What You Will’ da série Armação Ilimitada) do ex Motorhead “Fast” Eddie Clarke – era o produtor de Paul e pediu indicação de um produtor para promover a turnê. Por minha ligação de longa data com todos os músicos do Scelerata, fui convidado a abraçar a missão.
Eu nunca havia produzido turnê alguma, somente meus shows em Porto Alegre. Promover as turnês brasileiras do Paul em 2009, 2010, 2011 e 2013 foi o melhor aprendizado que eu poderia ter na vida como produtor, não há faculdade no mundo que ensine melhor do que a estrada. Aprendi sobre negociação, sobre logística, sobre mediação de conflitos, sobre realizar um show sob péssimas condições (não por culpa nossa, que fique claro). e ainda assim entregar o que os fãs querem ver e, acima de tudo, muito, mas muito sobre relacionamentos, seja com os músicos da banda, equipes, fãs, com todos. Tenho certeza que essas turnês me tornaram não só um profissional melhor, mas uma pessoa melhor.
Poderia ficar horas escrevendo sobre diversas situações que passamos em meio a estes mais de 50 shows juntos, mas vou deixar um registro do último show que fizemos juntos em Porto Alegre, em abril de 2013, no Opinião, justamente na festa que produzo há mais de 16 anos na cidade: a Rock n’ Bira. O nome da turnê era The Last Tour, pois ele realmente tinha interesse em se aposentar naquele momento. O show teve ingressos esgotados, 1500 pessoas estavam presentes para presenciar o que foi, sem dúvida, seu melhor show por aqui. Tinhamos uma equipe gravando o show para um DVD que, infelizmente, não saiu. Meu Pai (que era desenhista) fez um backdrop (pano de fundo) aos 48 do segundo tempo exclusivamente para este show – ele também havia feito a arte das camisetas desta turnê e da de 2011 (lindas por sinal!) – ao final do show Paul me chamou para cantar ‘Running Free’ com ele o que foi uma surpresa muito grata. Além de tudo isso tinhamos a maior concentração de amigos por metro quadrado dentro da casa, ali para mim, foi o último momento.
Após esta turnê, Paul gostaria de voltar mais vezes, porém, eu como produtor não aceitei, pois ficaria feio realizar uma nova turnê após ter “vendido” a ideia de que aquela seria a última. Ele retornaria em 2014 e 2015 ainda, mas nas mãos de outras pessoas – Isso nunca afetou minha admiração nele como músico menos ainda em nossa amizade. Em 2015 subi a serra para assistir seu show e passamos um bom tempo juntos, dando risada, lembrando histórias e trazendo lágrimas por nos reencontrar.
Durante todos estes anos mantivemos nossa comunicação e, ano passado, em fevereiro, pudemos mais uma vez nos ver, no show realizado no Teatro CIEE, onde assisti sentado do palco o show inteiro e chorei muito, por ver meu amigo naquelas condições, se apresentando numa cadeira de rodas mas sem desistir. Lembrei de cada perrengue que passamos e superamos juntos, lembrei de cada ensinamento. Após o show ficamos um bom tempo no camarim conversando, estavam comigo Renato Osorio e Gustavo Strapazon, do Scelerata e que estavam comigo nestas turnês.
É muito difícil se despedir de um amigo com tanta história juntos. Não imaginava que doeria tanto neste momento, mas doeu. A música que ele deixou é eterna, as memórias compartilhadas também. Vá em paz meu amigo, running free!
Ricardo Finocchiaro